A ASSEMBLÉIA NAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá*
Entre
o legislado e a prática administrativa das empresas nem sempre ocorre uma
coincidência.
Nem
tudo é cumprido às vezes, menos por intenção de desobediência, mais por
efeito pragmático.
A
vocação burocrática do Estado não raras vezes tem sido um empecilho para
quem se preocupa em produzir.
As
inexperiências empresariais daqueles que no poder se incumbem de elaborar e
aprovar as leis tem gerado algumas vezes a prevalência da “formalidade” sobre a “essencialidade” quando o contrário é que se tem por consagrado no
Direito e em outras ciências.
Um
dos fatos burocráticos que realmente não funcionam, há anos, são os
relativos à solenidade requerida das “assembléias” de acionistas nas
sociedades anônimas de poucas pessoas, sem capital pulverizado, consideradas
como “fechadas”.
As
convocações, atas de reunião de diretorias e conselhos, atas de assembléias
têm sido inutilidades práticas; ensejam, todavia uma formal simulação
consensual.
A
intenção do legislador em revestir de solenidade os atos das sociedades,
visando a proteger os sócios, os de menor participação no capital, é de tal
forma genérica face a situações práticas que acabam por ser um estorvo.
Em
minha longa vivência profissional foi-me possível constatar tal realidade, ou
seja, a formulação de toda uma papelada para simular o que não existiu e
jamais deveria ter existido, por inútil como efeito prático.
Pior,
ainda, entretanto, são os rigores decorrentes do “não cumprimento das
formalidades”, especialmente os de imputação de “falsidade ideológica”
aos que cumprem o que nunca deveria ter sido exigido.
Tudo
isso deflui do descompasso existente entre a velocidade dos atos empresariais
nessa era da informática e da fotótica e a lerda evolução legislativa e
normativa.
De
quando em vez, todavia, mesmo arrastando-se por décadas como ocorreu com o Código
Civil de 2002 surge uma luz no fundo do túnel.
Refiro-me
às assembléias de sócios e a dispensa delas, esta que se evidencia na letra
do §3º do artigo
1072.
Tal
artigo, sem dúvida, consagra a falência da formalidade inútil.
Joga
por terra o conceito de falsidade ideológica que injustamente por vezes se
imputou até aos profissionais que simplesmente cumpriram um “dever” de algo
que sendo inútil era, todavia, exigido.
A
unanimidade expressa de entendimentos dos associados exime a obrigatoriedade da
burocracia das assembléias e atas em empresas aonde as decisões em geral, por
prática, ao longo dos milênios, tem sempre ocorrido verbalmente com a comunhão
de interesses.
Os
“rigores” da lei, a evocação de defesa de moralidade dos atos
administrativos nem sempre representam uma verdade face à essência das coisas.
Não
são poucos os casos de pessoas que mal intencionadas ou feridas em suas
vaidades se valem de “formalidades legais” para imputar responsabilidades a
terceiros por atos que na realidade essencialmente não ocorreram.
Se
um código comercial no Brasil levou 150 anos para ser adaptado à modernidade
é bem possível imaginar-se o que em realidade ocorre em matéria de óbice
para a vida das empresas e de ensejo a sansões injustas.
Enquanto
a lei segue sua pachorrenta marcha em relação aos atos empresariais, as
reformas estruturais se arrastam em olvidos constantes nos parlamentos (como o
Estatuto da Pequena Empresa), a economia segue seu ritmo veloz e o descompasso
aumenta criando distâncias quilométricas.
As
ditas “Assembléias”, suas “Atas” em muitos casos são farsas que a lei
tem agasalhado, as autoridades públicas cobrado, mas que na prática só
estorvam a quem produz.
O
§3º do artigo 1.072, todavia, é apenas uma réstia egressa de nuvens que
toldam a luz do sol nas áreas empresariais.
Inequivocamente
é um reconhecimento do princípio da prevalência da essência sobre a forma,
um nó desatado nesse cipoal da legislação que tem emperrado a vida dos empresários
e ensejado problemas inexistentes no campo da aplicação de uma “falaz
moralidade”.
Uso
e costume nas sociedades ditas “fechadas” é, sem dúvida, segundo constatei
durante minha vida profissional, o “desincumbir-se” da “papelada”
entregando a advogados ou contadores a redação, obtenção de assinaturas e
arquivamento da referida parafernália burocrática.
O
fato de agora, nas “sociedades limitadas” se estabelecer uma quebra da
complicada forma das decisões de “assembléias” merece, todavia, ainda uma
consideração que entendo muito favorece.
Trata-se
de apenas “escrever e assinar sobre o que foi decidido” (assim está
expresso textualmente no parágrafo §3º do artigo 1072 do Código Civil) o que
equivale a convalidar como irreversível e oficialmente aceito o que foi
assinado.
Entendo,
segundo a hierarquia das provas que serão simulações, sim, testemunhos que
venham a alegar que as coisas se passaram de forma diferente.
Um
passo a frente foi dado e esperamos que muitos outros se acrescentem para que se
faça realmente não só justiça, mas, especialmente se socorra a quem deveras
produz bens e serviços em favor das comunidades.