CONSIDERAÇÕES CONTÁBEIS SOBRE LUCROS CESSANTES EM PERÍCIA JUDICIAL DE ROMPIMENTO DE CONTRATO DE CONCESSÃO

Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá

Se uma empresa concessionária pleiteia em juízo “lucros cessantes” sobre uma distribuição de produtos que lhe foi cassada pela indústria cedente e se o contrato entre as partes prevê a possibilidade de rompimento das transações com denúncia vazia, contabilmente a matéria merece do perito judicial uma atenção específica.

Isso por que lucro é o resultado de atividade empresarial.

Não há lucro sem atividade.

Não há atividade comercial sem bens para vender.

Cessado o fornecimento de produto cessa a existência de comércio.

Se a empresa tem prévio conhecimento da anulação da atividade de comercialização concedida, tem, também, obviamente, a da possibilidade de vir a não mais possuir bens para comerciar e, logo, aceita conscientemente a probabilidade de anulação de lucros futuros.

Não se trata, no caso, de entender algo que está a “cessar”, mas, sim de algo que se pode “anular”.

Logo não ocorre um impedimento, mas, sim, existe um acordo sob condições – esse o fato que sendo imperioso também é um risco aceito pela concessionária.

O lucro, todavia, só da atividade pode dimanar e se esta é anulável, por decorrência aquele, como efeito segue a natureza da causa.

O conceito de lucro atado ao de atividade comercial encontra respaldo na acepção específica expressa pelo tradicional e maior Dicionário de Contabilidade dos Estados Unidos:

 

Lucro - ... qualquer benefício pecuniário sobre uma operação comercial...

(KOHLER, Eric – A Dictionary for Accountants, edição Prentice Hall, New York, 1953, página 339)

(grifo é deste perito assistente da ré)

 

Semelhante é o conceito do famoso Dicionário especializado da Comunidade Européia (produzido por várias comissões de insignes economistas, financistas e contadores), ligando lucro à “atividade” ou “operação” (página 97 do Lexique UEC, 2ª. edição Verlag, Düsseldorf, 1974).

Da mesma forma bem acentuam os eméritos mestres da Universidade de Trieste, Maurizio Fanni e Lívio Cossar, ambos notáveis intelectuais da Contabilidade na Comunidade Européia, ou seja de que o lucro só pode existir se houver dinâmica ou movimentação de elementos patrimoniais (no caso em tela os produtos que geram o resultado) e não havendo ocorrência patrimonial como atividade não há decorrência reditual presente e nem futura.

 

Il reddito scaturisce della dinamica patrimoniale.

(FANNI, Maurizio e COSSAR, Livio – Il metodo contabile, edição La Nuova Italia Scientifica, Roma 1994, página 74)

 

Axiomático é, pois, que a impossibilidade de explorar uma atividade ou praticar as operações pertinentes, gera, inequivocamente, a impossibilidade do lucro e se esta se acha pactuada não há como admitir perdas, mas, sim realização de fato pactuado (RISCO ASSUMIDO).

Uma coisa, portanto, é calcular-se um lucro que se deixa de ter em razão de circunstâncias eventuais; outra é em decorrência de definida e definitiva anulação da atividade previamente pactuada, como algo que poderia ocorrer a qualquer momento, portanto “previsível”; no caso, aceita como condição para uma concessão realizada “o prazo incerto”, não cabe a presunção de lucro cessante como fenômeno patrimonial.

Se uma atividade cessa, se estava prevista a cessação, se esta se efetiva, não há como conceber continuidade, ou seja, algo que pudesse prosseguir gerando lucros.

O lucro é efeito onde a atividade é a causa.

Não se extingue o que já está extinto.

Sem garantia de prosseguimento de atividade, prévia e contratualmente estabelecida, não existe garantia de lucros e sequer expectativa destes ao cessar a concessão, logo não se pode quantificar o que é nulo, nem sequer conjecturar sobre a materialidade do que carece de essência vital.

Se uma empresa nasce conhecendo o risco que possuía e se deseja estabilidade e garantia o que deve fazer contra isto é proteger-se.

Isso porque incerteza é risco, como, já de há muito asseverou o emérito mestre Sassi:

 

A incerteza que o curso futuro dos acontecimentos já tem por manifesta, constitui elemento irrefutável para o aparecimento do risco...

(SASSI, Salvatore – Il sistema dei rischi d´impresa, edição Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, Milão, 1940, Página 25)

 

A questão, pois, não está em não se poder calcular, nem em julgar-se por projeção uma hipótese, nem em supor que possa existir avaliação, mas, sim em excluir a probabilidade de cálculo e julgamento sobre o que não pode ocorrer e que já era um risco assumido quando na contratação.

Contabilmente não há, no caso em foco, lucro cessante, mas, sim, um risco previsto que se consubstanciou relativo à impossibilidade definitiva de ter lucro sobre um produto sobre o qual a concessionária nunca teve a garantia de continuar a distribuir, com isto concordou expressa e antecipadamente.

Não se perde o que não se tem.

A concessionária não deixou de ter lucros, mas, sim, por consenso contratual viu terminada a oportunidade de gerá-los, diante de uma resilição de que sempre teve conhecimento pudesse vir a ocorrer.

Ou seja, só pode cessar o que pode continuar.

Se a continuidade já se admitia com possibilidade de tornar-se nula, nula já era admitida a cessação.

Contabilmente lucros cessantes podem ser calculados sobre probabilidades futuras de ocorrência, baseada em experiência do passado, mas, se e somente se diante de perspectivas concretas de garantia de acontecimento.

No caso em tela por não haver garantia e nem perspectiva de resultados, é inadequada qualquer projeção, e a que foi sugerida pelo ilustre perito oficial merece nossa desaprovação, com a presente ressalva.

Não se pode calcular como ocorrência o que está impedido de ocorrer.

Não se quantifica, pois, o inexistente.

Valor, em Contabilidade é medida, aspecto quantitativo onde a essência do fato patrimonial é o qualitativo como origem.

O qualitativo preexiste ao quantitativo, como a essência precede a forma.

Só se quantifica o que se admite como existência.

Se nada existe (zero), nada se quantifica.

Anulada a atividade porque assim estava contratado poder ocorrer, anulado está o lucro e a zero então este se reduz.

Ao zero, quando este representa ausência de algo sujeito a quantificação, nada se acrescenta nem se subtrai, nem se multiplica, nem se divide.

A anulação da atividade, implicando anulação do lucro, não só não é avaliável (cessada a causa cessa o efeito) como ao ser previamente estabelecida pressupõe a eliminação da origem motivadora do rédito, logo, não há cessação ou impedimento, mas, a exclusão (só é possível cessar o que pode acontecer).

Ademais, na esfera judicial não são adequadas por parte do “expert” opiniões por suposição e muito menos sugestões.

Na impossibilidade de ser objetivo na opinião não se deve sustentar juízo apoiado no subjetivo ou imaginável, ainda que solicitado como quesito, por impertinente que é do ponto de vista contábil.

A subjetividade perante a Teoria do Valor é recusável em ciência contábil, como o é a conjectura; em caso de dúvida existe um principio que a razão básica sustenta e que é o da Prudência; antes de tudo, porém, no caso de lucros cessantes, mais que cautela exigível se faz o estudo da natureza do provento, ou seja, se ele prosseguiria existindo se cessada a causa que o motivaria.