FIDELIDADE DA INFORMAÇÃO CONTÁBIL E AS PROVISÕES

 

Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá

 

 

Dentre as muitas finalidades da informação sobre os negócios destaca-se aquela contábil, de forma peculiar quando destinada aos que não estão dentro das empresas, como, por exemplo, os que fazem investimentos nas Bolsas, em Fundos de Investimentos e eventos afins.

A um Balanço, às demonstrações pertinentes, é preciso, todavia, não só que seja certificada sua forma, mas, especialmente entendida a sua essência.

Isso implica requisitos adicionais de rara significação, a iniciar pela clareza e fidelidade de como se apresentam os informes.

Requer, inclusive, a aquisição de conhecimento sobre conceitos, já que estes são os que representam razões defluentes de percepções e realidades por aquelas conquistadas.

Como todos os ramos do conhecimento humano a Contabilidade tem a sua própria linguagem ou terminologia e quando visa alcançar o público precisam estar ao nível de entendimento deste.

Sobre ela procuraram esclarecer razões os mais antigos livros de difusão cultural, desde a antiguidade até a era pré-científica do conhecimento contábil ocorrida no renascimento italiano.

Na Europa parece ter sido pioneira tentativa de um Dicionário Contábil o que produziu o francês Samuel Ricard, no início do século XVIII, mas, as conceituações já se tentavam disciplinar de há muito, como aparecem no livro do italiano Ângelo Pietra, em 1586.

Os tempos tornaram complexa a questão de entender a linguagem dos balanços, atingindo um clímax na segunda metade do século XX passado.

O período após segunda grande guerra mundial parece ter revolucionado o procedimento nos mercados e os capitais passaram a ter um comportamento singular, movidos por objetivos de interesse econômico e político, afetando em muito a influência do poder informativo.

Uma “Torre de Babel” então se edificou na ânsia de normatizar e os desentendimentos não fizeram senão acentuar-se.

A diversidade de conceitos passou a espelhar-se, também, naquela das intitulações das contas, estas que são recursos para a expressão dos fatos patrimoniais e que deturpadas alteram profundamente as análises e estudos.

Embora o título de uma conta seja o que deve identificar a matéria ou objeto de registro contábil, assim não foi o praticado.

A responsabilidade quanto à questão que deveria estar na adequada escolha das expressões, quer para que fosse respeitada a fidelidade do fato, quer em razão do entendimento requerido, não foi assumida.

Nas diversas partes do mundo, também diversos procedimentos se instalaram no campo da “informação”.

Não que existissem várias Contabilidades, mas, sim práticas baseadas mais em consensos e em dominação de grupos de interesses sobre o informado que mesmo fieis ás conquistas do campo da ciência.

Até em pequenos detalhes de qualidade lógica, de rudimentos semânticos, os erros se acumularam.

Assim, por exemplo, no Brasil se colocou em dúvida as denominações: “Provisão para Devedores Duvidosos” e “Provisão para Créditos Duvidosos”.

O que ou quem se desejava atribuir o duvidoso: ao devedor ou ao crédito?

Era lícito indagar se a Contabilidade como ciência do patrimônio (onde a metodologia deve aferrar-se à natureza do objeto), se este seria constituído por “devedores” como pessoas ou por “créditos a receber” como decorrência de riqueza cedida e a ser recuperada.

Se devedor é a pessoa e se crédito é o meio patrimonial o que seria correto considerar como objeto de conta?

As interrogações feitas em verdade, no caso, são as que ensejam os próprios construtos lógicos a serem evocados.

Sempre entendi, todavia, que duas coisas existem a reparar no caso do título “Provisão para Devedores Duvidosos”, este oficialmente hoje usado por entidades do governo brasileiro.

A primeira é que o caso não é de “Provisão” (este termo entendo seja melhor aplicável à matéria no que atinge direta e confiavelmente ao sistema do rédito) e sim de “Fundo de Proteção Contra Riscos” (que é parte do resultado destinada à cobertura de incerteza sobre o Ativo).

O risco é probabilidade e para esta se fazem “fundos”; o perdido ou gasto é custo e para isso já se destacam valores para cobertura certa que se espera.

São fenômenos distintos.

A segunda, é que sendo a matéria relativa a patrimônio o que é duvidoso é o “Crédito a Receber” (representado por Cambial ou equivalente), como elemento patrimonial e não a Pessoa.

Assim sendo o título adequado da conta é: “Fundo para Riscos sobre Créditos”.

Embora seja esta uma forma que admito como lógica, correta, consoante ao que cientificamente se considera em Contabilidade, repito, não é a que órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários adotou no Brasil (Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP Nº. 01/2004).

Eminentes intelectuais e cientistas como Vincenzo Masi, Gino Zappa e seus seguidores, todavia, adotaram a linha de consideração de “Fundos para Riscos”.

Também adotou o cientificamente sugerido pelos grandes mestres referidos o modelo editado pela 4ª. Diretiva da Comunidade Européia de 1978, adotado, por exemplo, também, pelo Plano Oficial de Contas de Portugal, de 1991.

Os normatizadores hoje em festejada “moda”, para impor os padrões anglo-saxônios, entretanto, não parecem preocupados com a questão.

Tais descuidos referidos estão, inclusive, a influir nas áreas do ensino, lamentavelmente.

Preocupa-me, todavia, nesse assunto de tão expressiva responsabilidade humana, relembrar o que o magno Alberto Einstein escreveu, alertando: “Não basta ensinar ao homem uma especialidade porque ele se tornará assim uma máquina utilizável, mas não uma personalidade” (obra Mein Weltbild, edição Europa Verlag, Zurich, 1953).

Concluindo a proposição básica o emérito cientista afirmou, referindo-se ao discente, que: “É necessário que adquira um sentimento, um senso do que empreende...” e concluiu: “A não ser assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos profissionais, mais a um cão amestrado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida”.

 

 

Autor: Antônio Lopes de Sá
Contato: lopessa.bhz@terra.com.br
 

Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.