REALIDADE, NORMATIVO INTERNACIONAL  E “CONTABILIDADE CRIATIVA”

Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá*

Alguns relevantes aspectos hoje consagrados como realidade pelas normas, sob o pretexto de uma “visão de mercado” não são os que espelham o estritamente patrimonial, ou seja, o que a Contabilidade oferece em seus estudos científicos.

A título apenas de isolada e preliminar exemplificação, se encontram os relativos ao “arrendamento mercantil” normalizados como “imobilização”, conceito fantasioso perante a realidade contratual e a um estado de liquidação empresarial (este que no caso, de forma paradoxal, as próprias normas consagram como sendo o justo para avaliar).

As associações incumbidas de produzir normas contábeis (FASB e IASB) na área internacional, controladas na prática por grupo anglo saxão, todavia, exercem tal influência que não só à ciência se permitem desobedecer, mas, também, aos próprios ditames do poder público (por curioso que pareça até com o expresso consentimento deste).

São questionáveis muitas coisas que as normas apresentam como tentativa de alcançar a imagem fiel da riqueza patrimonial e dos resultados (lucros e perdas).

Até que ponto ocorre mesmo um interesse na dita fidelidade não se pode ainda totalmente determinar, pois, existem forças que atuam no sentido de deixar liberadas as maneiras de informar contabilmente, ou, pelo menos, bastante flexíveis para ensejarem alternativas.

Critérios liberais permitem adaptar os dados para mudar aparências, quer para pior (quando se deseja fazer cair o valor de ações), quer para melhor (quando se deseja fazer subir o valor de ações) e isto foi denunciado em processos parlamentares de inquérito e por intelectuais que vêm com seriedade a função contábil.

A “alquimia” nos conceitos e contas atribuiu-se a denominação de “Contabilidade Criativa”, em sentido pejorativo (assim o fez o Senado dos Estados e assim foi denunciado por muitos escritores na área contábil).

Segundo diversos estudiosos famosos da matéria os expedientes ditos “criativos” são condenáveis; só uma normalização em base científica poderia corrigir a questão e recuperar o conceito profissional perdido desde a época dos grandes escândalos havidos no mercado de capitais, difundidos pela imprensa internacionalmente.

Memorável é, sobre tal enfoque, uma conferência realizada em Belo Horizonte, no Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais, pelo douto professor Maurizio Fanni, da Universidade de Trieste, quando demonstrou amplamente o que se tem feito relativamente à manobra de valores; destacou o emérito estudioso que tal procedimento não é o que a Contabilidade científica aconselha, recomenda, mas, sim, o que grupos de interesses bursáteis pressionam para que se efetive no sentido de manipular resultados.

A fraude, o embuste, o tratamento desleal, de forma geral existe no exercício de todas as profissões, mas, é deveras preocupante quando os procedimentos que podem ensejar tais coisas originam-se de normas oficialmente reconhecidas, textos legais e resoluções de entidades governamentais.

Considerada a importância social e humana da Contabilidade, uma normatização harmoniosa e cientifica é o que se tornaria desejável, mas, esta parece não ser a que está amplamente sendo implantada segundo o que se pode inferir a partir do exame da matéria já editada.

No presente momento, portanto, os esforços ainda não se traduziram em algo que possa assegurar a tranqüilidade desejável às informações contábeis a serem publicamente difundidas.

O que está a existir, sim, é a multiplicidade de demonstrações, consagradas no Brasil pela recente Lei 11.638, publicada em 31 de dezembro de 2007, modificando o regulado para as sociedades por ações; foi oficialmente aceita a diferença das “escritas” e “demonstrações”, as reconhecendo todas como válidas, admitindo que se possa informar de forma independente o legislado, o exigido pelo fisco e o normatizado contabilmente, ainda que dissimiles entre si.

As ditas “Normas Internacionais” da IASB não são padrões de Contabilidade como se deseja parecer fazer crer que sejam, mas, sim, aspectos que ensejam informações ao sabor de interesses bursáteis, nem sempre sustentados em bases científicas, além de matéria questionável face à realidade dos fatos.

Estamos vivendo, sim, uma época histórica em que ao se pedir a um Contador um Balanço ele poderá com razões de sobra perguntar: “Qual deles deseja”?

* Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964; Doutor em Letras, H.C., pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia (Brasil), Vice Presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, membro de honra do International Reserarch Institute de New Jersey, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.