REFORMA DA LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS E ANTECIPAÇÕES PARA AUMENTO DE CAPITAL

  Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá

A recente Lei 11.638/07 relativa à reforma da legislação das sociedades por ações, atingindo inclusive as limitadas de maior porte (mesmo a regulamentação destas sendo da esfera do Direito de Empresas do Código Civil), criou uma situação singular face a determinados fatos do dia a dia empresarial.

Tornada agora liberal a avaliação dos elementos patrimoniais liberadas a as relações quanto ao ônus fiscal pertinente, algumas coisas se alteraram, e, outras, estão a merecer reflexão como a relativa às “antecipações para futuro aumento de capital”.

O procedimento tributário havia firmado de há muito o entendimento sobre os referidos adiantamentos, através dos Pareceres Normativos CST nºs 23/81 e 28/84, entendendo que: “ocorrendo a eventualidade de adiantamento para futuro aumento de capital, qualquer que seja a forma pela qual os recursos tenham sido recebidos, mesmo que sob a condição para utilização exclusiva em aumento de capital, esses ingressos deverão ser mantidos fora do patrimônio líquido, por serem esses adiantamentos considerados obrigação para com terceiros, podendo ser exigidos pelos titulares enquanto o aumento de capital não se concretizar” e que “o patrimônio líquido fica definitivamente aumentado quando, após a subscrição, ocorrer o recebimento de cada parcela de integralização”.

Tal posicionamento mesmo não representando a “normalidade” perante a realidade empresarial foi, todavia, fixado como “ótica fiscal”.

Entendi a concepção referida como um desrespeito ao princípio da “Prevalência da Essência sobre a Forma” em nome de uma legalidade, esta que o procedimento fazendário nem sempre respeitou com rigor.

Não ponho em dúvida que alguns contribuintes possam ter tergiversado sobre os “aportes” classificados como “adiantamentos” ou “antecipações”, mas, o mal da legislação e dos procedimentos em nosso País tem sido o de muitas vezes tomar a exceção como regra, razão pela qual acabou por construir um Dédalo casuístico na matéria.

Agora, de acordo com a reforma feita no artigo 177 da lei 6404/76 as empresas vão ter a oportunidade de refletir sobre a questão e até questioná-la.

Isso porque o aporte dos sócios com a pretensão de ampliar os recursos próprios é, sem dúvida alguma, por essência um componente da natureza dos que compõem o grupo de contas do Patrimônio Líquido e só por deformação conceitual aceitável contabilmente como “crédito de terceiros”.

Um associado que tem poder sobre a empresa não é um credor comum perante a mesma e do ponto de vista patrimonial seus suprimentos financeiros possuem funções diferentes.

Essa a razão pela qual a nova letra do § 7º da Lei 6404 oferece margem para ensejar polêmicas.

Ao ser legislado que os lançamentos efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, as demonstrações e apurações deles defluentes, não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários, ficou estabelecido, sem dúvida, que as figuras que escapam dos ônus fiscais são as de “ajustes”.

Factível é objetar, portanto, que as demais “classificações de fatos patrimoniais em contas” não foram incluídas no texto, e, nesse caso, os “adiantamentos para futuros aumentos de capital” não estariam protegidos pela letra da lei quanto a escaparem a incidências tributárias e suas pertinentes considerações (sendo então consideradas como empréstimos comuns).

Se, todavia, o que deve prevalecer é a Norma Internacional a questão, nesse caso, oferece margem para discussão porque a lei deixa de segui-la quanto a isto.

Isso porque o reformado destaca que o grupo do patrimônio líquido será dividido em “capital social, reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados”.

Como as antecipações não são nenhum dos fatos mencionados, face aos artigos 178 e 179 em suas novas redações, não ocorrerá uma total independência relativa ao regime tributário relativa ao aspecto de “essência” defendido pelas Normas ditas Internacionais.

Reforça a questão o fato de na lei de reforma, quanto ao Patrimônio Líquido ficar estabelecido no § 3º que: “Serão classificadas como ajustes de avaliação patrimonial, enquanto não computadas no resultado do exercício em obediência ao regime de competência, as contrapartidas de aumentos ou diminuições de valor atribuído a elementos do ativo (§ 5º do art. 177, inciso I do caput do art. 183 e § 3º do art. 226 desta Lei) e do passivo, em decorrência da sua avaliação a preço de mercado.”.

Logo, os “ajustes” se encontram definidos como “variações” e não incluem “aportes”.

Pelos artigos da lei relativos especificamente ao Balanço, portanto, não se encontram possibilidades de inserções no Patrimônio Líquido dos adiantamentos para futuros aumentos de capital.

Como a lei torna o procedimento contábil cativo das normas da IASB (pois estas são as ditas internacionais) o “Princípio da Prevalência da Essência sobre a forma” (estrutura Conceitual item 35) fica lesado.

Ou seja, perante esse caso enfocado, mesmo a lei se adotando as Normas Internacionais, deixa de integralmente adotá-las por desrespeitar o principio básico que estas acolhem.