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17/02/2011
PanAmericano apaga passado
 
Atual administração decide divulgar apenas números referente a dezembro, sem explicar em detalhes os ajustes nas contas

Quem esperava ler o balanço do PanAmericano, divulgado às 23h58 do dia 15 de fevereiro, e entender de que forma as já famosas "inconsistências contábeis" afetaram as contas do banco ficou frustrado.

A nova administração decidiu ignorar o passado, o que significa que não foi feita nenhuma comparação com os demonstrativos apresentados anteriormente. A equipe comandada pelo ainda diretor superintendente do PanAmericano, Celso Antunes da Costa, que foi nomeada em 9 de novembro, optou por apresentar apenas o balanço de um único mês, referente a dezembro de 2010. "Não tinha como publicar algo que não faria nenhum sentido", afirmou.

Para cumprir a exigência regulamentar da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi enviado um balanço referente ao terceiro trimestre, mas que não foi assinado pela atual direção do banco e supostamente ainda é produto das práticas contábeis heterodoxas que vinham sendo adotados pela antiga administração.

A Deloitte, criticada por não ter identificado o rombo divulgado em novembro, recusou-se a opinar sobre o documento, a opção mais extrema que têm os auditores diante de balanços problemáticos.


Assim, todos os ajustes que levaram o patrimônio líquido consolidado a cair para R$ 152 milhões em novembro - data de abertura do novo balanço - não foram detalhados. Em junho, antes da descoberta dos desfalques, o patrimônio era de R$ 1,37 bilhão.

A evidenciação sobre o rombo total de R$ 4,3 bilhões e como ele foi ou será coberto foi mostrada nas notas que acompanham o balanço, com números arredondados (ver detalhes das perdas na ilustração abaixo).

Uma das fontes de recursos para cobrir o buraco foi o primeiro aporte feito pelo acionista controlador Grupo Silvio Santos - com dinheiro do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) -, no valor de R$ 2,5 bilhões. Desse total, R$ 2,3 bilhões ficaram na própria instituição e R$ 200 milhões foram repassados para a empresa de cartões do grupo. A diferença de R$ 2 bilhões foi coberta pelo novo aporte de R$ 1,3 bilhão e com R$ 700 milhões em ativação de crédito tributário.

Mas esse ajuste aparentemente perfeito não se reflete nos números do balanço patrimonial.

Isso porque o segundo aporte, no valor de R$ 1,3 bilhão, só foi feito em janeiro, depois do fechamento do balanço.

Na opinião do professor Eliseu Martins, ex-diretor da CVM, e de outro especialista em contabilidade que preferiu não se identificar, apesar da saída adotada pela nova administração do banco ser atípica, não havia muito o que fazer.

Assim como alegou o diretor superintendente do PanAmericano, eles dizem que se não há como identificar em que momento as perdas ocorreram, fica sem sentido apresentar o balanço sobre o período anterior. E se fosse tudo reconhecido no terceiro trimestre, essa informação poderia levar a conclusões erradas.

Para o professor Martins, no entanto, embora nenhuma norma exija isso, "ganharia-se muito em transparência" se houvesse uma demonstração detalhada da mutação do patrimônio líquido a partir do último número apresentado anteriormente.

Procurada para comentar sobre a forma de divulgação adotada pelo PanAmericano, a CVM disse que cabe ao Banco Central regular a publicação de balanços das instituições financeiras, mas que, no âmbito das suas atribuições, está "analisando e investigando os assuntos relacionados ao banco", o que inclui, em linha com o disposto nas normas contábeis, "a avaliação da alegada impossibilidade de determinar o efeito acumulado dos erros identificados em data anterior a 30 de novembro".

Ao apresentar os números da instituição na manhã de ontem em entrevista, Antunes da Costa, do PanAmericano, não quis comentar o acordo entre FGC e Silvio Santos, nem as investigações sobre a antiga administração.

Disse apenas que considera uma "obra de inteligência" o esquema montado e que ele teria sido arquitetado por "duas ou três pessoas". Mesmo assim, a nova diretoria decidiu demitir 40 funcionários. Ou porque sabiam dos truques contábeis e não denunciaram ou porque deviam saber, pela posição ocupada.

Antunes da Costa afirmou ainda, durante a entrevista, que era impossível ter um balanço mais preciso que aquele que ele apresentava. Mais tarde, o banco informou sobre um ajuste de R$ 360 milhões ligado ao índice de Basileia, que precisou ser corrigido.


Solução dada ao balanço passou por BC e CVM


Claudia Safatle | De Brasília

(Valor Econômico) Foi uma solução inédita. Mas há uma lógica na maneira como os novos administradores do PanAmericano apresentaram o balanço de 2010, e tanto Banco Central quanto Comissão de Valores Mobiliários foram informados de cada passo desse processo. Agora, os órgãos reguladores vão examinar técnica e juridicamente os balanços, antes de dar aprovação final.

Não havia consistência nos dados patrimoniais, econômicos e financeiros da instituição até a substituição da diretoria, no ano passado. A regra básica da contabilidade é que as demonstrações contábeis têm que espelhar a realidade econômico-financeira do banco.

No caso do PanAmericano, as demonstrações anteriores a novembro, inclusive as de 31 de dezembro de 2009, não tinham qualidade e confiabilidade mínimas para serem usadas como demonstrativos contábeis. Eram pura ficção extraídas de sistemas de informática totalmente contaminados, onde ativos insubsistentes produziam receitas inexistentes. Receitas que, aliás, eram prejuízos. Se os dados fossem levados a sério para o balanço, os administradores teriam de colocar nota de rodapé alertando que aqueles dados não podiam ser consideradas como expressão da situação do banco.

Para um problema desse tamanho, a solução encontrada foi fazer um inventário da situação até outubro e preparar um balanço de novembro e dezembro. Como se tivesse um balanço de abertura em 30 de novembro e outro de fechamento em 31 de dezembro.

Os auditores, assim como a nova diretoria e o conselho de administração do banco, entenderam que dessa maneira estariam cumprindo de uma forma mais correta a função da contabilidade. Decidiram, então, apresentar o que de fato existia no banco, onde as "inconsistências" corrompiam a própria geração de informações contábeis. E os balanços de novembro e dezembro refletem a real situação dos passivos e ativos do banco.

Os reguladores entenderam que, como houve mudança radical na gestão e no controle da instituição, seria complicado exigir das pessoas que acabaram de entrar um trabalho de arqueologia, de voltar no tempo e fazer, refazer e desfazer operações até chegar no fim de outubro de 2010. Uma tarefa que demoraria meses, atrasaria a publicação do balanço e retardaria o início da nova administração, de Caixa Econômica e BTG.

A solução privada, de mercado, dada ao banco não muda em nada a apuração de responsabilidades pelos mal-feitos. O fato de o banco não ter sido liquidado não atenua a situação dos ex-administradores e do ex-controlador, Silvio Santos, em relação às fraudes cometidas.

No fim ano, o BC fez denúncias ao Ministério Público, Conselho Federal de Contabilidade, CVM e Polícia Federal, em que são caracterizados crimes do colarinho branco, gestão fraudulenta, entre outros. O MP e a PF estão com inquéritos abertos, colhendo depoimentos. As novas as informações serão anexadas a esses processos.

Suporte dado por FGC e Caixa garante liquidez do PanAmericano

Por Aline Lima | De São Paulo

O inédito "microbalanço" do mês de dezembro apresentado pelo PanAmericano deixa claro que o banco tem se mantido de pé graças ao suporte que a Caixa Econômica Federal e o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) vêm dando à instituição desde que eclodiu, em novembro do ano passado, o rombo bilionário. As cessões de carteira de crédito que o PanAmericano tem feito sistematicamente à Caixa Econômica, ao FGC e a seus próprios fundos de investimento em direitos creditórios (Fidcs) não servem apenas para dar liquidez e fazer a máquina de concessão de empréstimos do PanAmericano girar, mas também para ajudar a engordar seus resultados.

Boa parte das receitas de intermediação financeira - isto é, a renda obtida com a principal atividade de um banco, que é emprestar - tem origem também nessas cessões de carteira de crédito. Dos R$ 142,2 milhões de renda de operações de crédito apurada em dezembro, R$ 51,3 milhões se referem a lucros obtidos nas cessões, sendo que R$ 43,8 milhões são de créditos ao consumidor que foram parar nos Fidcs da instituição.


Adicionalmente, por conta da manutenção de cotas subordinadas no Autopan Fidc, no Master Pan Fidc, no FBP Financeiro e no Fidc FF, o PanAmericano reconheceu uma receita de R$ 15,2 milhões, registrada contabilmente na rubrica de resultado de operações com títulos e valores mobiliários.

Portanto, do total de R$ 178,7 milhões de receitas de intermediação financeira apuradas em dezembro pelo PanAmericano, 37,2% (ou R$ 66,5 milhões, resultado da soma de R$ 51,3 milhões com cessões e de R$ 15,2 milhões com a rentabilidade dos fundos) têm ligação direta com o suporte que tem sido oferecido tanto pelo FGC como pela sua sócia, a Caixa Econômica Federal.

Vale lembrar que, logo depois do primeiro socorro ao PanAmericano, de R$ 2,5 bilhões, o FGC criou, em 23 de dezembro de 2010, o fundo de recebíveis FBP, de R$ 400 milhões, para a compra de créditos cedidos pelo banco em operações de consignado, financiamento de veículos e crédito pessoal. O FBP é gerido pela Bradesco Asset Management e administrado pela BEM DTVM, do mesmo grupo. Segundo Celso Antunes da Costa, atual diretor-superintendente do PanAmericano, a administração dos outros três Fidcs da instituição no está sendo repassada à Caixa.

Ao longo de 2011, o FGC poderá destinar até R$ 3,5 bilhões para a compra de carteiras de crédito do PanAmericano e a Caixa Econômica, R$ 8 bilhões - além de R$ 2 bilhões no mercado interbancário. O novo sócio BTG Pactual também se comprometeu a direcionar outros R$ 4 bilhões. "Como os créditos cedidos vão sendo, aos poucos, quitados, esse limite vai se renovando sempre", diz Costa. Ou seja, na prática, o PanAmericano poderá contar com um volume até maior do que esse que está sendo oferecido por FGC, Caixa e BTG. "O futuro do banco está preservado", afirma.

Embora os números do mês de janeiro ainda não estejam fechados, o novo diretor de controladoria do PanAmericano, Raphael Rezende, oriundo da Caixa Econômica, adiantou que foram cedidos outros R$ 700 milhões no mês passado.

Parte desses recursos obtidos via cessão de carteiras - mais o depósito de R$ 1,3 bilhão feito pelo empresário Silvio Santos com dinheiro do FGC - deverá ser usada imediatamente para recompor o patrimônio de referência do PanAmericano, que está negativo em R$ 888 milhões, deixando o banco desenquadrado das regras do Banco Central (BC). O PanAmericano encerrou dezembro com um índice de Basileia negativo de 5,74%. O mínimo exigido pelo BC é de 11%. Para chegar a esse patamar, serão necessários R$ 2,67 bilhões. O PanAmericano poderá fazer um depósito em conta vinculada no Banco Central antes de ajustar o capital.

Em dezembro, o banco conseguiu produzir R$ 1 bilhão em créditos, desempenho recorde, segundo Costa. As provisões para devedores fecharam 2010 em R$ 1,21 bilhão (aí incluída a correção de R$ 500 milhões feita por conta das irregularidades encontradas). O número é inferior em R$ 56 milhões ao saldo do fim de novembro. Foram constituídas, em dezembro, R$ 25 milhões em provisões, mas elas são referentes à performance da carteira no mês, não aos empréstimos novos de R$ 1 bilhão. O saldo das provisões caiu porque foram baixados como prejuízo R$ 81,2 milhões.

Como a produção recorde de R$ 1 bilhão de empréstimos observada em dezembro é recente, não é possível saber, por ora, qual a qualidade desse crédito. Para começar a constituir provisão, é preciso que haja atraso no pagamento das parcelas de pelo menos 14 dias. Mas uma análise da composição da carteira de crédito consolidada, de R$ 9,39 bilhões, revela um índice de inadimplência julgado altíssimo por especialistas: 8,5%, considerando-se os créditos já vencidos.

O PanAmericano encerrou 2010 com um prejuízo de R$ 142 milhões, apurado em dezembro.

Contabilidade ao gosto do freguês

Nelson Niero | De São Paulo

Aguardem uma nova resolução do Banco Central determinando que as instituições financeiras passem a adotar a contabilidade "customizada", para usar um termo ao gosto dos profissionais de marketing. Algum problema grave nas contas, algo que vai transformar lucros, mesmo que fictícios, em prejuízos astronômicos? Ignore o problema.

A nova forma de fazer balanços, além de pôr fim a todas a polêmicas num passe de mágica, torna inócuas as complexas e custosas Normas Internacionais de Contabilidade, impostas às companhias brasileiras a partir deste ano. Preocupado com o valor justo de seus ativos? Não há por quê. Pense mais num valor ajustado às suas necessidades.

Caso não venha logo essa deliberação oficial, vai ficar difícil entender as demonstrações financeiras divulgadas ontem pelo PanAmericano. Elas só têm razão de ser numa espécie de regime contábil de exceção.

Desde que vieram a público, em novembro, as chamadas "inconsistências contábeis" - próximas de consistentes R$ 4,3 bilhões, pelo que se sabe até agora -, era esperada a divulgação do balanço do terceiro trimestre, que ficou na geladeira depois do escândalo. Três meses depois (o prazo legal seria 15 de novembro), surgiram dois balanços.

Um deles, apresentado pela administração como a fotografia real da situação do banco, é um balanço anual de um mês só, dezembro. Outro, como as demonstrações do terceiro trimestre de 2010, seria uma mera formalidade, como disse ontem o presidente do banco na entrevista para divulgação dos números. É um balanço autista, em que a existência de uma fraude bilionária é ignorada na "mensagem da administração", a parte das demonstrações contábeis em que os executivos comentam o desempenho do exercício. Já que é só uma formalidade, poderiam ter deixado a página em branco.

"O trimestre encerrado em 30 de setembro de 2010 apresentou um cenário de recuperação progressiva da atividade econômica, o que se refletiu no crescimento da carteira de crédito, no aumento da liquidez e na expansão das atividades do banco", começa solenemente o texto.

Na sequência, o autor não identificado versa sobre a segurança e seriedade. "É importante ressaltar que a crise financeira já superada mostrou que o setor bancário brasileiro é bastante seguro, maduro e bem regulamentado atravessando os momentos mais adversos com trabalho sério e serenidade, não tendo ocorrido nenhum problema sistêmico. Neste momento percebemos que já voltamos à normalidade."

O único problema do banco no trimestre foi a inadimplência elevada, mas nada para se preocupar. "Uma vez superadas essas dificuldades momentâneas, o banco, agora mais preparado e maduro, pretende seguir em frente em um novo ciclo de crescimento."

Resta saber se a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vai começar a dividir os balanços que arquiva por gêneros literários. Mesmo assim teria dificuldades em escolher entre ficção e realismo fantástico. Fábula, talvez, apesar de ser incerta qual é a moral dessa história. Fernando Torres e Aline Lima | De São Paulo
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